segunda-feira, outubro 30, 2006

Serenidade

Estou tão cansado,
Não consigo manter os olhos abertos,
Vejo tudo desfocado.
Deito-me para dormir mais uma noite,
Mas ao meu lado começo a ouvir passos.
Deve ser a minha tia que acordou
Para ir trabalhar, mas acabei de me deitar,
Será que o tempo voou assim tão rápido?

Até que oiço um barulho estranho,
Como se alguém estivesse engasgado,
Então abro os olhos e vejo pela cómoda espelhada
Uma cara junto a porta atrás de mim
A olhar-me fixamente pelo reflexo...
Sinto um arrepio gelado pela coluna
E viro-me rapidamente.
Fico frente a frente com um ser complexo,
Com corpo negro transparente,
Cara branca como cal e
Cabelos longos acompanhando a sua forma trémula
A olhar-me nos olhos com um olhar penetrante...

O medo invade o meu corpo de rompante
Á medida que o vulto se aproxima,
Agora em silêncio, até ficar bem junto a mim,
A olhar-me de cima com o seu olhar oco
Cintilando um vermelho ensanguentado.
O meu corpo não se move, é impossível.
A minha respiração apressada
Acompanha a arritmia descontrolada do coração,
E é nesse momento que o vulto movimenta
A sua mão até me tocar na cara.
O seu toque deixa-me sereno,
Não sinto mais medo nem arrepios,
Apenas uma leveza enorme,
Como se estivesse a pairar sobre a cama,
A ser invadido por uma sonolência brusca.

O coração começa a abrandar
Até não o sentir mais bater...
O vulto demoníaco desfaz-se
Enquanto sorri sadicamente,
E eu morro em completa harmonia,
Como se tivesse atingido o apogeu da vida.

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segunda-feira, outubro 09, 2006

Substância Carnal

Está demasiado partido,
Há tantos cacos perdidos no chão
Que já nem dá para colar com sentido.
É impossível uma perfeita reunião
De uma substância carnal que foi desfeita,
Que foi despedaçada pelo mundo,
Esse poço sem fundo que a rejeitou,
Deixando-a em total agonia com memórias
De uma vida que outrora vivia.

É tentada uma reconstrução parcial
Mas um acontecimento estranho e complexo
Devolve-o á bolsa marsupial em completa destruição,
Transformado num triângulo redondamente indefinido
Elevando tudo o que sente para o paralelo infinito,
Para vaguear de novo nas estradas intersticiais da mente
Procurando neurologicamente a cor azul das casas
Que vão recolher os sentimentos para os incinerar.


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